No gigantesco aposento negro,
escuro como apenas o mais total e completo vazio podia ser, ele se movia, lento
e lânguido, através de sonhos e desejos de outras pessoas. Aqueles sonhos e
desejos flutuavam à sua volta, surgiam e se desfaziam, juntavam-se e
esgarçavam-se, subiam e desciam de acordo com a música própria daqueles que os
criaram. Sutil trama que eram, delicados, tecido efêmero como a bruma,
desfaziam-se ao menor toque apenas para ressurgir novamente mais adiante.
Como que atravessando uma miríade
de cortinas de seda e fumaça, ele avançava. Seus passos silenciosos sobre o
vácuo que dominava todo aquele lugar inexistente, suas longas vestes arrastavam
no solo do nada. Seus brincos, colares, anéis e pulseiras eram todas as estrelas
que já existiram. Seus cabelos confundiam-se com a escuridão que o rodeava,
negros, longos e indomados. A pele
branca como a névoa da manhã refulgia em uníssono com o brilho dos devaneios
flutuantes á sua volta.
Seu destino: a única ilha de
existência naquele mar sombrio de vazios e delírios. Um portentoso pedestal de
pedra cinzenta, azul e púrpura. O pilar que era o pedestal subia desde o centro
de tudo o que existia em todo e qualquer mundo, rasgando cada universo pelo
qual passava, tocando cada canto da existência simultaneamente, existindo para
todos e para ninguém, em todo lugar e em lugar nenhum. Seria possível até mesmo
acreditar que todo o resto girava em torno daquele eixo.
E no topo daquele colosso
granítico, ocupando completamente a área de seu ápice, um livro. Um livro
velho, gasto. Tão gasto que já não tinha cor. Sua capa ainda mostrava leves
sinais do que um dia fora um excelente trabalho de um artesão apaixonado.
Alguns altos-relevos e restos de palavras agora irreconhecíveis num idioma que
ninguém chegou a aprender. As páginas amarelecidas, ressecadas e quebradiças
que surgiam entre as grossas capas estavam carcomidas pelos vermes do tempo,
vorazes e impiedosos mesmo frente aos maiores encantos do cosmos.
A criatura aproximou-se do pedestal
e pousou suas esguias mãos nas bordas do pilar, com o livro entre elas. E ela
contemplou aquele volume com o olhar de um cientista observando o maior
experimento de sua vida. Contemplou-o com o olhar do eterno amante que se
despede, em seu último suspiro de alívio final, do objeto de sua paixão.
Olhou-o como um criador contempla todas as falhas mais íntimas e os mais
recônditos meandros da alma de sua criação. E também como o senhor e mestre,
que possui e controla , que mantém em suas ditosas mãos a vida e a morte de
tudo o que lhe pertence. Pois ele era O Oráculo, senhor daquele reino, e este
era seu tomo, onde guardava tudo o que sabia e onde pesquisava para descobrir e
aprender mais. Eram seus o passado e o presente. E também era sua a chave para
a libertação de todas as mentes e espíritos.
Num movimento firme e decidido,
que carregava em si toda a delicadeza das mais belas flores e dos mais
apaixonados afagos, o Oráculo abriu seu livro. Uma poderosa luz jorrou daquelas
velhas entranhas ao serem desveladas. As pálidas mãos do senhor acariciavam as
páginas do servo ao folheá-las, e a cada página folheada, aquilo que antes era
a infindável escuridão vazia do nada mais completo que jamais existiu
preenchia-se de vida. Ali se descortinavam paixões, guerras, ilusões, vitórias,
descobertas, derrotas, alianças e traições. Cada estória, cada acontecimento,
cada pensamento de cada mente que existe ou já existiu. Pululavam ao redor do
esguio homem, senhor do livro e parte do mesmo, todos as incontáveis estórias
contidas dentro daquele eterno volume. Cada uma lida à exaustão, milhares de
milhares de vezes desde muito antes da aurora do tempo. Tudo que foi e tudo o
que não foi estava ali presente, contidos, todos, numa virada de páginas.
As ágeis mãos, tão habituadas àquelas
páginas, encontram onde queriam chegar. Devassado, o livro jorra sua luz sobre
o Oráculo que o contempla com os olhos da criança descobrindo os segredos do
mundo. Cada vez que abre o livro, é sempre diferente, apesar de exatamente
igual. Já lera aquelas estórias nunca lidas incontáveis milhares de vezes, e
elas nunca ficariam nem um segundo mais velhas. A sombra de um sorriso toca os
eternos lábios do Oráculo, enquanto ele se curva sobre o livro e mergulha em
sua luz para ler novamente mais uma estória totalmente nova.
Gostei do antigo conceito. Continue. :D
ResponderExcluirMuiiito bom!
ResponderExcluirO tema é estimulante... o poder do livro... ou pelo menos da idéia de livro...
ResponderExcluirParabéns!!!!